terça-feira, 29 de outubro de 2013

don't you forget about me

Um final de semana de esquecimentos. Partindo desde desmemoriamentos de considerações até de um frango para o jantar. Engraçado essa peça que nosso cérebro nos prega. Aquela certeza de que não necessitamos anotar porque jamais esqueceremos parte de um princípio de confiança em nós mesmos. Em três dias presenciei solidão e abuso causados por esquecimento. A fome, pela promessa de um jantar, quando o frango ficou em algum lugar do mercado, do estacionamento, embaixo do banco do carro, jogado e esquecido. Por último, o esquecimento da consideração, que atormenta a imaginação e nos falta com respeito quando esquecemos que ninguém age pensando além do próprio prazer. Deixo aqui uma nota para a minha pessoa: nunca esqueça!

domingo, 16 de junho de 2013

subtrair-se da Natureza

Abri o bloco de notas. Antes disso, senti uma vontade imensa de acabar com alguma coisa bonita, subtrair da natureza e finalizar a procura. Tenho costume de imaginar como as pessoas reagiriam a minha morte. Como seria a reação delas ao receber um telefonema e quais respostas encontrariam quando se perguntarem o porquê. Me questionei sobre essa valorização à morte. É a única certeza da vida. Inverti ideologias. Não temo a morte mas temo o meu viver, essa falta de objetivos, falta de ter o porquê viver ou por quem viver. Levantei, peguei uma xícara de café. Nada como um café para esclarecer as ideias e mandar embora essa súbita vontade de morrer. Acendi as luzes, preciso de cores, esse tom fúnebre junto aos meus pensamentos já me fizeram transcrever em minha mente vários bilhetes de adeus. Sentei na sala, me senti como se eu não pertencesse a este lugar. Moro aqui, mas não é aqui que pertenço. Não é um lugar para chamar de meu. Foco. Preciso tentar viver de acordo com as possibilidades que me são dadas. Olhei durante quinze minutos, quinze desesperados minutos para a tela do notebook e tentei achar objetivos pra minha vida: conhecer pessoas novas, música boa, ler livros bons, me imaginar no contexto de cada personagem, conhecer lugares diferentes, descobrir um novo amor, desfrutar as férias, enfim, me sentir viva. Pois confesso, eu cansei. Cansei de sorrir, de acordar toda manhã, de ser uma das melhores profissionais em meu ramo, de assistir aulas, de beber uma cerveja no bar, de ser verdadeira, de não mentir em nenhum hipótese, de ser honesta. Cansei de oferecer ao mundo o meu melhor, sabendo que o que me é oferecido não é o suficiente para a batalha. No começo, cheguei a acreditar que eu era forte. Tenho essa mania de quando as coisas estão ruins, sentar no jardim em frente de casa e olhar as estrelas. Olho pro céu e me sinto o ser mais insignificante, uma partícula imensamente inútil e sem valor diante do Universo em que vivemos. Então tomo um rumo, esqueço todas as coisas ruins, penso que não vale a pena se importar. Comparo o tempo da minha vida aqui na Terra, com o tempo de existência dessa Via Láctea. Novamente, enormemente insignificante. Então por que me preocupar com coisas tão inúteis, que de passagem, julgo ser importantes? Deixava o jardim com um sorriso no rosto, pensando em viver intensamente. Mas a hora que eu temia chegou, acumulei tantos problemas e tantas frustrações que não importe quantas noites eu passe olhando para o céu, nada vai me tirar esse vazio e essa vontade de me sentir viva.

sábado, 22 de outubro de 2011

E o fisioterapista veio a me perguntar:
- O que você acha sobre pessoas que fazem academia?
- Cérebros atrofiados.
- Valeu - comentou com cinismo.
- Nada contra.
- Hoje pela manhã, malhei e corri trinta minutos na esteira.
- Antes tivesse lido um livro.

domingo, 23 de maio de 2010

à dois.

- Não sei explicar o que sinto, não encontro palavras.
- Claro está - comentou ele, continuando muito interessado no que fazia. Falava num tom de voz verdadeiramente clínico e indiferente - Terei então de lhe pedir que não volte a visitar-me para eu encontrar de novo a minha paz de espírito.
Olhei para as mãos dele. Sentia-me algo chocada.
- Em alguns aspectos - prosseguiu ele - você é mais velha do que eu. Nunca esteve apaixonada. Talvez nunca o venha a estar. O amor é uma coisa que nos acontece periodicamente. Pelo menos, aos homens! Voltamos aos vinte anos, sofremos como rapazes de vinte anos. Readquirimos todos os estúpidos conceitos da juventude. Eu estou sendo razoável, de momento, mas asseguro-lhe que não me sinto assim, por dentro. Quando você telefonou, quase tive um ataque com o nervosismo. Sou um velho, apaixonado... Um personagem de comédia! Já muito visto, nem sequer engraçado...
- Por que razão julga que nunca me apaixonarei?
- Eu disse, talvez.
- Só tenho dezoito anos.
- Uma árvore de um metro de altura é tão árvore como uma de quatro metros. Mas lembre-se de que eu disse, talvez.
- As minhas dúvidas nada têm a ver com a diferença de idade.
Olhou-me um pouco magoado, sorriu e disse:
- Tem de me deixar um pretexto...
Fomos fazer café naquela detestável e minúscula cozinha, pensando que, de todas as maneiras, eu nunca poderia viver ali - só pensar no esforço doméstico! Uma vil onda irrelevante de covardia burguesa.
Ele voltou a falar, de costas para mim:
- Não deixei de pensar em você durante todas as férias. Costumava sair para o jardim no meio da noite e olhar para o sul. Entende?
- Sim - respondi.
- Era em você que eu pensava, só em você. Não sei bem o que é, mas há qualquer coisa na sua expressão, no seu aspecto...
- O quê?
- A mulher que você virá a ser - disse ele.
- Uma mulher agradável?
- Muito mais que agradável.
Não sei descrever a maneira como ele disse essas palavras. Tristemente, quase desejando evitá-las. Doces, mas algo amargas. E, sobretudo, palavras honestas. Não me estava provocando, nem sendo formal. Essas palavras vieram-lhe bem do fundo da alma. Eu olhara para o chão durante toda aquela troca de palavras, porém ele fez-me olhar para ele, e sei que algo passou por entre nós. Algo que senti perfeitamente. Quase um contato físico. Algo que nos queria mudar. Ele haver dito uma coisa que tinha no coração, e eu senti-lo tão completamente...
Ficou olhando para mim, e eu fiquei embaraçada. Continuou observando-me fixamente. Tive de lhe pedir para desviar o olhar.
Aproximou-se de mim e deu-me a mão, levando-me gentilmente para a sala. Disse-me então que eu era realmente bela. "Bela, sensitiva, entusiasta, tenta ser honesta, consegue ser da sua idade, natural sem quaisquer pretensões e, ao mesmo tempo, um pouco antiquada, o que lhe dá um encanto muito especial. Até que sabe jogar xadrez bastante bem..."
- Não lhe posso falar assim sem você voltar a cabeça. E peço-lhe, pois, que não a volte; vá-se embora, agora...deixe-me só.
Beijou-me a cabeça. Empurrou-me. Comecei a descer as escadas. Parei e voltei-me para trás. Ele sorriu, mas era um sorriso triste.
- Queira eu que isso lhe passe depressa.
Sacudiu a cabeça. Não sei se ele queria dizer não, ou se pelo contrário, me queria indicar que aquilo nunca lhe passaria. Talvez ele próprio não o soubesse. Mas estava triste. Estava totalmente triste...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Nova Gente e Os poucos

Odeio-os.
Odeio as pessoas sem educação e os ignorantes. Odeio as pessoas pomposas e falsas. Odeio os invejosos e os ressentidos. Odeio os mesquinhos, os avaros e os insignificantes. Odeio todas as criaturas pequenas que não têm vergonha de ser tão pequenas e inúteis. Odeio aquilo que pode-se classificar de Nova Gente, a nova classe média com os seus automóveis, o seu dinheiro, as suas televisões, as suas estúpidas vulgaridades e a sua ridícula imitação da burguesia.
Amo a honestidade, a liberdade e a generosidade. Amo criar, amo fazer, amo viver uma vida cheia, amo tudo o que não está imóvel, que não está morto, que não copia.
Sinto mais e mais este terrível peso morto da insignificante Nova Gente sobre tudo e todos. Estão corrompendo tudo, não há dúvida. Vulgarizam tudo. Chegam a matar as paisagens, como meu pai costumava dizer, a produção em massa, tudo em massa.
Eu sei perfeitamente que devíamos fazer face ao rebanho, tentar controlar a correria. Deveríamos trabalhar para eles e tolerá-los. Nunca me suicidarei, porque isso é a coisa mais desprezível que existe, só para fugir a uma vida que não me agrada. Mas, por vezes, confesso, a coisa é assustadora: pensar na luta pela vida é verdadeiramente odioso, se pensarmos a sério no assunto.
Tudo isso é conversa. É muito provável que eu me case com o homem que me apaixonei, que tenha filhos e que tudo mude tanto que nunca mais me preocuparei com estas coisas. Passarei a ser uma Mulher Pequena. Irei para o campo inimigo. Sempre tenho isso em mente. E temo.
No entanto, isto é o que penso atualmente. Pertenço a um grupo de pessoas que tem de lutar contra todo o resto. Não sei ao certo quem compõe o grupo - homens famosos, vivos ou mortos, que lutaram pelas causas justas, que criaram e pintaram com arte e carinho, e as pessoas não famosas que não mentem, que tentam não ser preguiçosas, que procuram ser humanas e inteligentes.
Não precisam de ser boas pessoas. Todas elas têm momentos de fraqueza. Momentos de sexo e de álcool. Momentos covardes e momentos de ambição financeira. Alguns pensam mesmo em matar-se. Mas uma parte, uma boa parte, está de corpo e alma com o movimento.
Os poucos.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Meu cenário

O meu dia precisa de cores, menos calor, menos sol. Um dia nublado e cinzento, eu subo nas árvores e pinto as nuvens de azul. Desenho uma bola amarela à direita e com um pouquinho de tinta vermelha faço um sorriso na cara amarelada do sol. Coloco a mão no bolso, e com um sopro as notas amassadas viram pássaros que voam cantando entre o trânsito, abafando o som das buzinas. Atrás de um prédio, eu puxo uma corda que faz cair as cortinas do dia e chega logo a noite, com a lua por entre as nuvens. Bailando e rodando em cima do asfalto, o canto faz nascer flores e plantas por entre os rachos e buracos dos cimentos e pedras. As nuves rodopiam no ritmo dos meus passos, e logo voam para se refletir no mar. Com a ponta do dedo molhado em tinta prata, faço milhares de estrelas brilhando no céu. No meu vestido branco florido, estendo uma toalha xadrez por entre as flores, sento e coloco as mãos atrás da cabeça, como apoio para a cabeça ao deitar. Espero meu amor chegar. Bebemos sucos de laranja e bolo de cenoura com cobertura de chocolate, e eu acordo com o barulho de tiros na rua de trás depois de um sonho lindo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

cotidiano;

Mas e quanto ao mundo propriamente dito? Você acha que ele é possível? O mundo também fica pairando livremente no espaço. O triste de tudo isto é que, à medida que crescemos, nos acostumamos não apenas com a lei da gravidade. Acostumamo-nos, ao mesmo tempo, com o mundo em si.
Ao que tudo indica, ao longo da nossa vida nós perdemos a capacidade de nos admirarmos com as coisas do mundo. Mas com isto perdemos uma coisa essencial, pois em algum lugar dentro de nós, alguma coisa nos diz que a vida é um grande enigma. E já experimentamos isto, muito antes de aprendermos a pensar. A maioria do que nos rodeia é tão absorvido pelo cotidiano que a admiração pela vida acaba sendo completamente reprimida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

inevitável egoísmo

- Estou com a cabeça às voltas.
- Beba um gole de whisky, não existe nada melhor que whisky para clarear as idéias. É natural que você tenha o espírito lerdo, uma vez que insiste em beber cerveja. Você não é um mau rapaz, mas acontece que não bebe. A sobriedade perturba a conversação. Quando falo a respeito do bem e do mal, falo convencionalmente. Não atribuo significação alguma a essas palavras. Ninguém me induzirá a instituir uma hierarquia de ações humanas, emprestando dignidade a umas e vituperando outras. Os termos vício e virtude não possuem sentido algum pra mim. Não louvo nem censuro. Apenas aceito. Sou a medida de todas as coisas. Sou o centro do universo.
- Mas existem outras pessoas no mundo.
- Eu falo apenas por mim. Só me apercebo dessas outras pessoas na medida em que elas limitam as minhas atividades. O mundo também gira em torno delas, e cada uma julga ser o centro do universo. Meus direitos sobre elas não vão além do alcance de minha força. O que eu posso fazer é o limite do que devo fazer. Somos gregários, e por isso vivemos em sociedade. E a sociedade se conserva unida por meio da força, a força das armas e a força da opinião pública. Dum lado tens a sociedade; do outro, o indivíduo: cada um dos dois é um organismo que luta pela sua conservação. É a força contra a força. Eu me encontro só, obrigada a aceitar a sociedade. Mas eu me submeto às suas leis porque sou compelida a isso. Não lhe reconheço a justiça e nem sei o que isso seja, pois conheço apenas a força. Ela cria leis que visam à sua própria conservação, e se eu as violar sou morta ou encarcerada. A sociedade procura atrair-me para o seu serviço acenando-me com honrarias, riquezas e o bom conceito de meus semelhantes. Sou, porém, indiferente à opinião deles. Desprezo e posso muito bem dispensar a riqueza.
- Mas, se todos pensassem assim, o mundo viria abaixo num instante.
- Nada tenho que ver com os outros. Só me ocupo comigo mesmo. Tiro proveito do fato de que a maior parte da humanidade é levada, com o olho nas recompensas, a realizar coisa que, direta ou indiretamente, vem beneficiar-me.
- Considero esse um modo extremamente egoísta de encarar as coisas.
- Julga, por acaso, que o homem seja capaz de fazer alguma coisa a não ser por propósitos egoístas?
- Julgo.
- É impossível que assim seja. Quando ficar mais velho, compreenderá que a coisa mais necessária para tornar este mundo um lugar tolerável é reconhecer o inevitável egoísmo da humanidade. É absurdo exigir altruísmo por parte dos outros: para que sacrificariam eles os seus desejo pelos nossos? Quando você quiser compreender que cada um, no mundo, se preocupa apenas consigo mesmo, exigirá menos dos seus semelhantes. Já não lhe causarão decepções e passará a olhá-los com mais simpatia. Os homens buscam, na vida, uma única coisa: o prazer.
- Você está misteriosa.
- Estou embrigada.