segunda-feira, 16 de novembro de 2009

inevitável egoísmo

- Estou com a cabeça às voltas.
- Beba um gole de whisky, não existe nada melhor que whisky para clarear as idéias. É natural que você tenha o espírito lerdo, uma vez que insiste em beber cerveja. Você não é um mau rapaz, mas acontece que não bebe. A sobriedade perturba a conversação. Quando falo a respeito do bem e do mal, falo convencionalmente. Não atribuo significação alguma a essas palavras. Ninguém me induzirá a instituir uma hierarquia de ações humanas, emprestando dignidade a umas e vituperando outras. Os termos vício e virtude não possuem sentido algum pra mim. Não louvo nem censuro. Apenas aceito. Sou a medida de todas as coisas. Sou o centro do universo.
- Mas existem outras pessoas no mundo.
- Eu falo apenas por mim. Só me apercebo dessas outras pessoas na medida em que elas limitam as minhas atividades. O mundo também gira em torno delas, e cada uma julga ser o centro do universo. Meus direitos sobre elas não vão além do alcance de minha força. O que eu posso fazer é o limite do que devo fazer. Somos gregários, e por isso vivemos em sociedade. E a sociedade se conserva unida por meio da força, a força das armas e a força da opinião pública. Dum lado tens a sociedade; do outro, o indivíduo: cada um dos dois é um organismo que luta pela sua conservação. É a força contra a força. Eu me encontro só, obrigada a aceitar a sociedade. Mas eu me submeto às suas leis porque sou compelida a isso. Não lhe reconheço a justiça e nem sei o que isso seja, pois conheço apenas a força. Ela cria leis que visam à sua própria conservação, e se eu as violar sou morta ou encarcerada. A sociedade procura atrair-me para o seu serviço acenando-me com honrarias, riquezas e o bom conceito de meus semelhantes. Sou, porém, indiferente à opinião deles. Desprezo e posso muito bem dispensar a riqueza.
- Mas, se todos pensassem assim, o mundo viria abaixo num instante.
- Nada tenho que ver com os outros. Só me ocupo comigo mesmo. Tiro proveito do fato de que a maior parte da humanidade é levada, com o olho nas recompensas, a realizar coisa que, direta ou indiretamente, vem beneficiar-me.
- Considero esse um modo extremamente egoísta de encarar as coisas.
- Julga, por acaso, que o homem seja capaz de fazer alguma coisa a não ser por propósitos egoístas?
- Julgo.
- É impossível que assim seja. Quando ficar mais velho, compreenderá que a coisa mais necessária para tornar este mundo um lugar tolerável é reconhecer o inevitável egoísmo da humanidade. É absurdo exigir altruísmo por parte dos outros: para que sacrificariam eles os seus desejo pelos nossos? Quando você quiser compreender que cada um, no mundo, se preocupa apenas consigo mesmo, exigirá menos dos seus semelhantes. Já não lhe causarão decepções e passará a olhá-los com mais simpatia. Os homens buscam, na vida, uma única coisa: o prazer.
- Você está misteriosa.
- Estou embrigada.

2 comentários:

Vinícius Paes disse...

Esse texto é pra mim: Nietzsche analisando os conceios socráticos de comunicação e sociedade. hahaha. Demais, Aine.

Beijos.

Sophia di Agnes disse...

Niilismo embrigado.